Artista Investigadora das Relações Humanas
Gugie Cavalcanti é uma artista multimídia cujo trabalho transita entre pintura, performance e instalação, explorando a relação entre arte, espaço urbano e práticas sociais. Suas obras ultrapassam o campo pictórico, incorporando sons, cheiros, histórias e movimentos dos ambientes onde são instaladas. Essa abordagem considera o espaço urbano como território de experiências cotidianas carregadas de significados. Inspirada também pela estética relacional e pelos situacionistas, Gugie cria obras que pedem convivência ativa com o público, questionando a separação entre arte e vida.
Durante a pandemia, apresentou a exposição Gestos (2020), uma performance nas ruas que afirmava sua necessidade de criar e dialogar com o espaço público. As pinturas foram levadas para as ruas, onde o deslocamento urbano se tornou parte essencial da obra. A cidade, com seus sons e texturas, tornava-se cenário e agente ativo das performances. Outra criação marcante foi a exposição-perfomance Mudanças (2022) em que instalou suas obras dentro de um caminhão de mudanças, refletindo sobre transformações nas relações humanas. O caminhão o local de mudanças que vão a algum destino, o deslocamento e vínculos afetivos, destacando que nascemos de histórias de mulheres, cuidamos delas e também nos tornamos alguém nas redes de afeto que construímos ao longo da vida.
Suas referências incluem o artista norte-americano Gates, cuja prática envolve intervenções comunitárias e a ressignificação de espaços urbanos por meio da arte. Gugie aprende que na arte existe uma ferramenta para fortalecer vínculos sociais e provocar mudanças reais. Suas obras são, assim, tanto estéticas quanto sociais, nascidas do encontro entre corpos, espaços e memórias. Para Gugie, a arte é prática viva: ela não apenas representa, mas ativa novas formas de estar no mundo.
Série Gestos
Gestos, de Gugie Cavalcanti
“No gesto potente e genuíno de duas mãos que se tocam e se unem, por entre os dedos que se entrelaçam, uma pequena porta é desenhada semi aberta apresentando um recinto luminoso. Pequena na representação, imensa na metáfora visual que ambienta, a porta sugere nossa sensível admissão dentro do toque terno de duas mãos negras. Punhos, palmas, unhas. Entrelaçadas em tons púrpura, magenta e castanho, as mãos aclimatam a via de possibilidades de apreciação: no interior deste gesto afetuoso encontraremos o análogo, o diverso, mas, sobretudo, encontraremos a nós mesmos, como um ponto inflexível da condição humana.
O processo de entrada nos trabalhos de Monique Cavalcanti (Gugie) é mesmo assim. Por entre repertórios de uma narrativa visual que anseia uma sensibilidade e naturalidade através do corpo negro. Em projeções em muros e telas, a artista visual e grafiteira coloca em evidência memórias e expressões de sua vivência em personagens de um ideal factível de estima. Um trabalho que tem como disparador construtivo a fotografia, mas que logo ganha ampla dimensão, novas paletas de cores e paisagens urbanas, na vontade de ocupação dos espaços, no desejo de acessibilidade de sua proposta.
A exposição GESTOS não poderia ser diferente. Através da portinhola luminosa do afeto entramos na mostra e por ela adentraremos aos ambientes pictóricos de Gugie pele a pele, em toque, olhar, sensibilidade e identificação. A palavra gesto é entendida como uma forma de expressão do corpo, de movimentos e visagens, no entanto é também sinônimo de procedimento. Gestos como uma atitude na prática, configura esta como a melhor expressão para junção da “estétic(ação)”de Gugie.
Uma série de trabalhos desenvolvidos em um momento mundial que demanda do corpo maior veemência. Oito telas apresentadas de maneira virtual no mês de setembro de 2020, que também podem ser vistas por um percurso afetivo criado pela artista em sua cidade. Gugie em um processo curatorial, imaginando Florianópolis como uma grande sala expositiva, retorna aos seus locais de convivência e andanças, pleiteando as paredes externas das casas em tratativas com os moradores-galeristas, por um local de visibilidade que é de qualquer um. O resultado da exposição GESTOS é o ensejo da potência dos corpos negros refletida em uma poética de vida: proximidade, amabilidade, dignidade, possibilidade. “
Francine Goudel, historiadora de arte.
Série Mudanças
“A artista Monique Cavalcanti, mais conhecida como Gugie, é uma das importantes personalidades do movimento da arte urbana e do graffiti na cidade de Florianópolis, com valiosa inserção no circuito contemporâneo das Artes Visuais Catarinense.
Em MUDANÇAS, Gugie nos provoca a pensar sobre os deslocamentos possíveis da Arte. Uma exposição pensada para um caminhão de mudanças, que interroga os espaços em que acolhem a arte (para além dos legitimados), adentrando-se o espaço público, instigando os transeuntes atentos ou desavisados a ocupar esse espaço e a imergir na exposição preparada para abrigar as mudanças trazidas pelo caminhão. A investida dessa provocação permite o olhar para a mulher na amplitude dos corpos, conclamando à cena as personagens do cotidiano e de sua vida, refletindo as vivências e as potencialidades das mulheres.
Os transeuntes são afetados a ponto de acessarem dimensões inatingíveis de cada corpo/história no seu desejo do porvir. Vêm à superfície as experiências temporais e as relações entre a infância, o gestar, a amizade e a ancestralidade. Com essas outras dimensões do olhar, Monique Cavalcanti retira da invisibilidade os corpos das mulheres ainda marginalizadas pela sociedade.
A artista demonstra seu anseio urgente por mudanças das estruturas contemporâneas. Propõe, sem concessões, a integração da mulher na cena artística e cotidiana, munida de todas as suas potências e singularidades. Em MUDANÇAS, Gugie aborda narrativas visuais sobre relacionamentos sociais – interpessoais e intrapessoais – aprofundando a reflexão acerca da convivência, nos espectros individual e coletivo, na relação consigo e com o outro. Há uma problematização explícita da imagem da mulher como um corpo servil naturalizada pelo senso comum da sociedade.Nesta exposição, a artista transporta suas próprias mudanças temporais, enquanto mulher-filha-mãe-artista-etc, ao apresentar as mulheres de sua vida, fazendo com que cada um dos espectadores-perceptores adentre este caminhão e reflita a respeito da amplidão de possibilidades que cabe em cada uma dessas mulheres e das afecções destas em suas próprias vidas.
Na sua paleta de cores, Gugie traz referências do universo feminista e aquece as cenas, para que a expressão das singularidades, neste caminhão de mudança, encontre ressonância em outros corpos dispostos a se moverem na exposição/ação. Numa estética relacional, ela compreende o contato e a interação com as obras como forças que propagam sua produção, aspirando pelas trocas com o público, uma ativação que chama de sensibilidade coletiva.
Com suas próprias palavras, a artista reflete sobre suas ações: “Busco na arte um espaço de diálogo e ocupação, representatividade, fortalecendo visibilidades e, sobretudo, apostando em uma estética da autoestima.”
O que vemos nos trabalhos de Gugie é o desejo de luta pela visibilidade e pela desconstrução de estigmas estruturais, com sua crítica aos mecanismos de segregação urbana e de limitação do campo artístico. A artista reivindica a ocupação dos espaços pela mulher e sua produção, forjando instrumentos de resistência que possibilitem olhares mais sensíveis para e sobre a cidade, em seus agenciamentos e representações sociais.”
Juliana Crispe, curadora da exposição.